Recentemente, vi a Laura Pires falar sobre a questão do apaixonamento. Ela comenta que quando a gente se apaixona muito rápido por alguém que a gente não conhece, preenchemos as lacunas da falta de informações que temos sobre essa pessoa com projeções ou idealizações que podem ou não corresponder à realidade - muito mais provável a segunda opção, diga-se de passagem.
E isso é algo completamente natural e um processo evolutivo que fundamentou as bases da comunicação humana. Contudo, toda essa construção de paixão à primeira vista (ou segunda vista considerando que, vai, você chegou a sair com aquela pessoa algumas vezes) não parece muito saudável. Como que você vai se apaixonar por algo que você não conhece? O ponto dela é que você se apaixona pela ideia dessa pessoa e não pela pessoa. Ou como já disse Marília Mendonça “me apaixonei pelo que inventei de você”. É apenas insustentável a longo prazo.
Consigo identificar vários momentos da minha vida em que isso aconteceu e me causou sofrimento. Não à toa, paixão vem de pathos que do grego significa "sofrimento, paixão, afeto” e a palavra patologia, que se refere à doença, significaria estudo do sofrimento (e não estudo dos patos, como o português sugere). Como uma boa hipocondríaca, peço a licença de ser radical ao ponto de encarar a paixão como doença mesmo - não deve ser algo normal desejar tanto algo a ponto de ficar obcecado pela pessoa. Ainda mais quando não se é correspondido. É um sentimento terrível. Tá maluco.
Foi aí que eu percebi que “putz, acho que tô apaixonada”. Por uma ideia. Me apaixonei pela ideia do quadrinho que estou escrevendo. Já aconteceu isso com vocês de se apaixonar por uma IDEIA? Eu penso nele 24h por dia, eu converso com pessoas na esperança de que qualquer coisa que falem possa fundamentar alguma parte ou me faça apenas falar em voz alta dele, fico imaginando como vai ser a construção, o desenho e só de pensar nele me dá dor de barriga - sintoma clássico de alguém apaixonado, afinal existe muita ansiedade e desarranjo intestinal na paixão. E o que ele me oferece em troca? Até agora nada. Toda a vez que sento pra escrever, ele não alcança as expectativas que criei na minha cabecinha, parece um pouco confuso, eu fico pensando como vou desenhar ISSO, ainda estou no processo de escrita do roteiro porque sempre aparece algo ou eu congelo. Como eu fui me apaixonar por algo que não existe?
E pra piorar a minha sina e maldição é que é meio que inevitável que isso não aconteça. Sinto que me apaixono muito fácil, assim como muita gente (outras nem tanto). Talvez porque tenha sido preservada de alguma forma maluca de alguns traumas ou porque seja um traço de personalidade de ser uma pessoa muito empolgada. Eu lembro uma vez de estar com a Juli numa quermesse junina e estar deslumbrada pela produção da feira, que era absolutamente comum. Ela segurou no meu ombro com uma das mãos, olhou nos meus olhos com olhos surpresos e disse: “amiga, parece que tu tá descobrindo o mundo agora” (e sim, sou apaixonada por festa junina).
Talvez a paixão vá muito por aí mesmo, desse desconhecer e descobrir - e acredito que mesmo nas coisas que julgamos familiares sempre haverá espaço para paixão porque sempre existirá de alguma forma o desconhecido. Por exemplo, sei que é possível se apaixonar quando a gente já “conhece” alguém porque sou apaixonada e amo meus amigos. Não acho que uma coisa anula a outra. Ou que o amor seja consequência lógica da paixão, tampouco que seja algo puramente romântico. Acho que a paixão passa muito por uma empolgação de ter aquela pessoa por perto, de uma admiração inquieta, de achar o objeto de desejo bonito - não só esteticamente bonitos, mais para um jeito-de-ser bonitos, ou o deslumbramento de ter acesso ao mundinho da pessoa querida, mas passa muito também por uma instabilidade e algum risco também.
No caso do quadrinho, eu julgava conhecê-lo. Fiz alguns esboços, atestava domínio sobre o tema, mas tem um milhão de coisas que descubro todo o dia que penso não conseguir sistematizar de uma forma que torne interessante pros outros assim como é pra mim, ou é só uma insegurança da primeira vez de falar pras pessoas dele. Também fico pensando se o tema ia gostar se ser escrito por mim, apenas um pensamento aleatório que me ocorre. Eu tenho receio de ser aquela pessoa que a gente fala pros amigos que tá apaixonada e eles respondem com ar de pesar e suspirando soltam baixinho “amiga…”.
Descartes escreveu em seu livro Princípios da Filosofia que devemos nos ocupar primeiro em fazer perguntas sobre as coisas que a gente julga como dadas e óbvias, porque se a gente responde essas perguntas com assumpções falhas elas desestruturam respostas de perguntas mais complexas lá pra frente.
A HQ vai se chamar Quase Tudo São Flores e é uma reflexão em quadrinhos que convida a questionar sobre como coisas que são tomadas como óbvias na verdade estão cheias de camadas: sociais, como fomos ensinadas inconscientemente a vê-las; econômicas, como o capitalismo vai embrenhando na nossa forma de ser e da naturais, como as coisas fazem parte da natureza e simplesmente… existem. Ah, e sobre flores também!
Não gostar de flores foi algo que tomei como dado na minha vida toda, até começar a cuidar de plantas e me autoquestionar “por que eu odeio flores mesmo? POR QUE eu odiaria flores?”. E percebi que muitas vezes no nosso gostar e não-gostar esteja muitas coisas que nunca nos questionamos.
Essa semana eu fiz um curso de escrita poética com a Monique Malcher e em algum momento ela comentou que a gente vez ou outra se afasta do texto que a gente quer escrever, demora pra começar, inventa justificativas de que não está preparado e tudo o mais. Em outro momento, ela comentou que o livro ou o texto que a gente quer escrever já existe, é meio que só arranjar as palavras porque geralmente são temas que sempre estamos elaborando. Saber de alguma maneira que ele já existe me trouxe um pouco de consolo, porque me fez internalizar a vontade de redirecionar o foco do produto final (publicação) pro processo (escrita): o que esse livro tem a me ensinar? como vou sair transformada dele? E apenas posso torcer que ele se conectará com alguém.
Acho que a paixão ensina muita coisa porque ela fala muito sobre descobrir seus próprios limites também, talvez às vezes a gente precise dessa impulsividade assumir os riscos de ver “até onde isso vai dar” - independente de ser por pessoas, ideias ou ideias de pessoas. É engraçado pensar que a paixão é essa certeza duvidosa, porque ao mesmo tempo que você sabe que quer, não sabe onde tá se metendo direito. Ao mesmo tempo ela te dá vontade de aparecer e fazer as coisas, mesmo que você fique nervoso ou relute, é difícil dizer não quando se tá apaixonado. O perigo maior no fim das contas é descobrir que não é recíproco ou se deixar consumir, mas isso é só um detalhe.
Elaborado todos esses devaneios e admitindo que estou apaixonada, ainda estou no processo de descobrir se é de um jeito bom ou ruim. Torçam pela minha convalescência.
Alguma paixão à vista por aí? Se quiser comentar só apertar aqui:
Um sorriso bobo e até à próxima,
Karina
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retrovisor
Quando a mãe de Forrest Gump disse que a vida é uma caixa de chocolates porque nunca sabemos o que vamos encontrar, ela não comentou que podíamos encontrar uma barata. No ínterim entre a newsletter passada e essa, eu fui assaltada dentro de um café quando tava escrevendo o quadrinho (rs). Consegui salvar o roteiro porque estava em cima da mesa e o celular porque escondi, então não perdi nada de valor além da ecobag e uma sombrinha porque os meus documentos estavam em casa. Pra completar, tive um problema na pálpebra que julgava ser um terçol porque tava muito dolorido e inchado, acabou sendo um negócio chamado celulite pré-orbital. É mole??? Obviamente, não tinha calculado os imprevistos da vida em todo o planejamento, mas sigo me iludindo de que um dia conseguirei.
Eu estava obcecada passava 80% do meu tempo falando sobre um quadrinho e nos outros 20% eu torcia pra que alguém falasse dele para que pudesse falar dele mais um pouco
Ah, não, Karina, agora você fez a gente se apaixonar pelo quadrinho também!