Um ano atrás eu criei essa newsletter. Pensei no nome, o conceito fazia sentido e, pra mim, ela já era o espaço perfeito (mesmo antes de ter vindo ao mundo virtual) para compartilhar coisas. Lembro que ia tudo muito bem, pensei em um nome até rápido, encontrei uma plataforma, criei uma conta, configurei o layout e quando eu cheguei no momento de escrever o texto de boas-vindas personalizado, aquele que é enviado automaticamente a quem se inscreve, eu… empaquei.
Eu empaquei na mensagem que provavelmente a maioria das pessoas pulam ou não abrem. Não achava o tom certo do que eu queria falar, dava muita volta e, volta e meia, acabei não voltando mais. De repente tudo pareceu extremamente difícil: aprender a mexer na plataforma se tornou irritante, o fato de me questionar se eu sei escrever bem, pra depois me questionar o porquê de criar uma newsletter pra começo de conversa, até chegar na pergunta que é o começo do fim de qualquer coisa: por que eu tava querendo fazer isso mesmo?
Dei uma olhada em coisas que desenhei e escrevi na época e me deparei com dois achados que me chamaram a atenção. O primeiro, foi esse desenho que cheguei a postar:
Ele viralizou na época e foi a primeira vez que a seção de comentários (e a quantidade de psicólogos usando a ilustração como análise) me assustou e me fez ver que isso é mais recorrente do que parece.
E o segundo foi em um caderno que tenho de anotar a vida (porque não é bem um diário) em que encontrei apenas 4 linhas desse período:
Eu achei engraçado isso de ter vontade de fazer algo e de algo misterioso impedir - lendo agora, depois de um ano. Eu sinto que fiquei com preguiça de pensar em uma palavra melhor, mas vejo que foi muito acertado porque muitas coisas são de fato misteriosas. O medo é uma delas, ao mesmo tempo que é autopreservação, é obstáculo. Misteriosas por si só também são as palavras e como a mera união de umas com outras quando ditas na hora certa podem causar revoluções.
Dias atrás encontrei com o meu amigo, o Nohan. Ele é comediante, improvisador profissional e também uma das pessoas mais criativas que conheço. De alguma forma ter conversado com ele fez com que eu internalizasse algumas coisas que já sabia ou já tinham me contado mas que só fizeram sentido naquele momento.
Sabe quando alguém diz alguma coisa que é óbvia e que você diz que já sabia, até o momento que você realmente sabe? Você sente que sabe.
a questão da expectativa
No fundo, começar não é difícil. Talvez o difícil mesmo seja lidar com a frustração de que existe uma enorme distância entre o que você pensa e o que você vive. Viver implica em dispender um tempo, desenvolver uma habilidade motora e em apreender a realidade com todos os nossos sentidos - coisa que o nosso pensamento jamais alcançará completamente.
Uma coisa é saber que vai chover e que se você estiver debaixo da chuva você vai se molhar - podes até imaginar o formato das gotas caindo, tocando a pele e ter a certeza de que você ficará gripado se pegá-la; outra coisa é estar na chuva, justamente naquele dia que você esqueceu de levar a sombrinha, passar frio sentindo as gotas como agulhas na sua nuca, desolado, justamente quando sua semana foi horrível e você descobriu que alguém que você gosta vai embora. Pra completar, acthim.
E, outra coisa completamente diferente, é pensar tanto na chuva e no que fazer quando chover e NÃO chover.
O problema é que quando a gente fala de algo criativo, no sentido de criar mesmo, pode ser: imaginar uma mistura de sabores pra uma receita, ou o beat pra uma música ou a ideia central pra uma poesia; a frustração da execução sair inferior ou completamente diferente ao que a gente idealizou se torna quase um atestado (completamente desleal e injusto) de que a gente talvez a gente não seja tão bom assim ou que foi “tempo perdido”.
(Claro que não todas as vezes, às vezes a gente tá blindado ou as coisas acabam saindo até melhor do que a gente imaginou. Mas se você tenta fazer uma coisa uma porção de vezes e nada alcança as suas expectativas, a frustração começa a pesar).
Tava pensando nisso até um dia desses encontrar com essa postagem da Lynda Barry1:
O desenho não corresponde à imagem que você tem em sua mente porque a imagem que você tem em sua mente não é um desenho. Isso é fácil de esquecer e importante de lembrar, caso contrário, podemos confundir não ser capaz de desenhar a imagem que temos em nossa mente como não ser capaz de desenhar nada (tradução livre kkjask)
A imagem que a gente tem na nossa mente não são o que as coisas são
De alguma forma o que o Nohan me disse se somou a outros pensamentos que vinham decantando há algum tempo em mim. O estalo de que a escrita é reescrita tirou a pressão de que a gente não precisa ter um produto final acabado no primeiro esboço. Sedimentou o seguinte: e se a gente ver cada começo como uma tentativa? Porque se eu ver as coisas como um experimento, dificilmente eu vou sair tão desiludida.
Sem falar que toda a mentalidade capitalista fomenta a pressão de que é preciso ter um retorno nas coisas, um retorno palpável, pra que elas tenham algum valor se não é “perda de tempo”. Eu odeio essa expressão, quem sabe um dia elaboro sobre isso. Continuando. Esses dias vi muitas pessoas falando sobre a importância de ter um hobbie, ou algo do tipo, em que a gente possa se permitir ser ruim, mas eu nem acho que é exatamente isso. Acho que em vez de fazer algo “bom” (o que quer que isso signifique) ou se permitir fazer algo “ruim” (o que quer que isso signifique também), e se a nossa expectativa fosse simplesmente… tentar?
Porque algo muito misterioso também é: de onde vem a nossa vontade de criar? Ou se propor a fazer algo? Me parece que vem de um desejo talvez muito interior, primal e antigo de se expressar, transbordar espaços. O sucesso deveria estar justamente em se propor a fazer algo que a gente tenha vontade, por mais bobo que pareça.
Então agora sou a favor de testar em vez de achar que qualquer coisa será pra sempre definitiva, e já começar entendendo que muito ainda vai mudar. Que o primeiro passo é muito mais um tropeço, daqueles desajeitados que a gente pensa que não tem ninguém olhando.
Em vez de dizer: eu vou fazer isso, isso e isso e vai ficar assim assado, dizer apenas: vou tentar isso, vamo ver, não tenho certeza de como vai ficar, mas quem sabe. Dito isso, vou tentar essa newsletter, vamos ver, não tenho certeza de como vai ser, mas quem sabe, queria me dar o direito de experimentar e, coincidentemente, tive um surto de coragem.
Isso faz algum sentido pra você também? Tem algo que esteja a fim de tentar esses tempos?
Um abraço,
Karina
ilustro no instagram | falo bobagens no twitter
retrovisor
(essa seção é sobre coisas passadas)
✸ Eu passei as duas últimas semanas ouvindo essa música que toca no último episódio de The Bear. E eu ando refletindo muito no jogo de palavras ela que tem: “All things know” (todas as coisas sabem) / “All things go” (todas as coisas vão) / “All things grow” (todas as coisas crescem). De que a perda é imprescindível pra ganhar espaço pra crescer, essa é a história do mundo.
✸ Eu descobri um podcast chamado Philosophize This! e eu fiquei impressionada com a qualidade e a forma didática de abordar a filosofia. Os episódios sobre a Susan Sontag são ouro! Me lembrou algo que tinha esquecido: de que a filosofia me ajuda muito a me entender também.
reflexo
(essa seção é sobre coisas futuras)
✸ Além da newsletter, nos próximos dias eu estarei escrevendo um roteiro pra um quadrinho mais longo, fala sobre minha relação com flores e capitalismo (???). Tô ansiosa porque nunca fiz isso - talvez vire um zine ou um livro! Pensando se compartilho o processo por aqui.
✸ Finalmente tô me movimentando pra criar a minha loja com ilustrações autorais!! Isso definitivamente será compartilhado.
Obrigada pela inspiração, amigo. No aguardo da sua newsletter também.
Boa vida e obrigada pelos peixes! :)
Quadrinista americana que venho me apaixonando por tudo o que ela faz!!
Acredita que eu li todos os outros textos da newsletter, menos esse? Agora tô aqui todo feliz e renovado. Obrigado você pela troca sempre incrível, saudades <3
Ô mulher, to feliz demais q criou essa newsletter e ela ja mexeu comigo 🤧💖